Num cenário de grave crise hídrica, que esvaziou parte dos reservatórios do País, o desperdício de água segue como um dos maiores problemas a serem combatidos no setor de saneamento básico.
Problema é maior na Região Norte, segundo dados de plataforma de governança e gestão estratégica de saneamento que será lançada pelo Ibre/FGV.
Quase 40% de toda água captada, tratada e distribuída no País é perdida. Ou seja, esse porcentual se transforma em prejuízo para a concessionária – um sintoma da ineficiência da gestão operacional dos sistemas de abastecimento de água.
A Região Norte é onde se perde mais água no País, apesar de o local ter a maior despesa por metro cúbico (m³) faturado no setor de saneamento. Ali, em média, 55,1% de toda água produzida não tem nenhum retorno financeiro para a companhia. Ou seja, se transforma em prejuízo para a concessionária – um sintoma da ineficiência da gestão operacional dos sistemas de abastecimento de água e um contraste ao cenário de crise hidrológica.
Os dados constam de uma plataforma de governança e gestão estratégica de saneamento com informações do setor, que será lançada na quarta-feira, 25, pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) em parceria com a Interáguas. Nesse ambiente virtual, será possível cruzar uma série de informações por regiões, Estados e municípios. Chamada de FGV Datasan, a plataforma traz dados de qualidade dos serviços, despesas, receitas e tarifas.
“São dados conhecidos, mas que não estavam organizados e disponíveis a todos”, diz o titular da Superintendência de Infraestrutura e Mercados Governamentais do FGV IBRE, Túlio Bastos Barbosa. Segundo ele, a plataforma – fácil de consultar – ajudará estudantes e analistas na elaboração de estudos e na elaboração de diagnósticos do setor – o mais atrasado da infraestrutura. Cerca de 100 milhões de pessoas não têm acesso a rede de esgoto e 36 milhões ainda não têm acesso à água potável.
FGV Datasan apresenta 70 indicadores em dez áreas-chave do setor e permite visualizar uma série histórica de 10 anos, por meio de gráficos e comparações entre os diferentes índices que compõem o serviço. De acordo com José Antônio Campos Chaves, diretor-presidente da Interáguas, a plataforma compila as informações contidas no Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), do governo federal, mas de forma sistematizada, abrangente, amigável.
No caso das perdas de faturamento, por exemplo, é possível verificar não só a região como as cidades que mais desperdiçam água. Pelo cruzamento de informações, é possível verificar que no Amazonas, por exemplo, Tefé e um conjunto de municípios do Alto Solimões têm o pior indicador do Estado – e um dos maiores do País. Cerca de 78% de toda água produzida pelas empresas que atendem essa população não é faturada. Boa parte desses problemas é reflexo da falta de investimentos.
Consumo de Água
O diretor financeiro do Serviço Autônomo De Água e Esgoto De Tefé, Sebastião Aldevio Soares de Almeida, diz que na cidade as residências não têm hidrômetro para medir o consumo e há apenas a cobrança de uma taxa de água. “Temos 11 mil clientes cadastrados (mas a cidade tem 28 mil imóveis), mas estamos recebendo de apenas 2.000. Em decorrência de não poder suspender o fornecimento por falta de pagamento durante a pandemia, o entendimento que prevaleceu foi que não precisavam pagar.” A arrecadação não cobre nem 50% da folha de pagamento. Ou seja, não sobra nada para investir em melhorias.
A capital Manaus era uma das campeãs em perdas no País. No entanto, o indicador recuou mais recentemente, com investimentos de R$ 466 milhões da empresa que assumiu os serviços. Segundo dados da Águas de Manaus, empresa do grupo Aegea, que detém a concessão desde 2018, o índice de perdas recuou de 65,2% para de 55,8%. A cobertura de coleta e tratamento de esgoto atende hoje 26% da cidade e avançará 45% em 2025.
Para o pesquisador do Ibre na área de infraestrutura Armando Castelar, ter mais dados sobre o setor vai ajudar a entender onde estão as carências, o que pode ser feito e quem deveria ser responsável por prover o acesso. “O Brasil tem enormes carências no saneamento, onde o acesso é incomparavelmente menor que em serviços como eletricidade e telecomunicações. Parte do problema é a responsabilidade ser ao mesmo tempo dos três níveis de governo, mas não claramente de nenhum deles.”
Na avaliação de Castelar, o novo marco regulatório do saneamento e a proposta de maior participação do governo federal, via a Agência Nacional de Águas (ANA) e, até certo ponto, replicando a experiência dos anos 1970 com o Planasa, prometem avanços significativos. “As novas concessões para o setor privado em Estados como Alagoas e o Rio de Janeiro são movimentos alvissareiros nessa direção. Mais dados, informação e atenção vão ajudar a potencializar esse processo.”
Fonte: Estadão