Nesta semana, a produção desse gás estará no centro das atenções em um fórum na UCS
Restos de alimentos, resíduos da agricultura, dejetos de animais, esgoto. Sabia que tudo isso pode resultar em energia? É por meio da transformação em biogás que essa matéria orgânica pode ser utilizada para gerar luz, aquecer a água ou como combustível de veículos, por exemplo. E Caxias do Sul vai ser, desta terça (12/4) até a quinta-feira (14/4), o centro de debates sobre o panorama e as perspectivas para esse produto. O 4º Fórum Sul-Brasileiro de Biogás e Biometano ocorrerá no Teatro da Universidade de Caxias do Sul (UCS).
O Brasil tem hoje 675 usinas de biogás, com uma grande concentração em Minas Gerais, Paraná e São Paulo. O Rio Grande do Sul tem 35 usinas, conforme dados do Centro Internacional de Energias Renováveis (CIBiogás). Em Caxias, nenhuma aparece no mapa.
— Caxias ainda não acordou para o tema do biogás. Muitos resíduos poderiam estar gerando energia e não fazendo impacto no meio ambiente — comenta a coordenadora do Fórum Sul-Brasileiro de Biogás e Biometano, Suelen Paesi.
A pesquisadora da UCS salienta que o uso de resíduos para a produção de energia contribui para o sistema de descarbonização do sistema agroindustrial brasileiro. Além de gerar energia, esse processamento provoca outro benefício ao meio ambiente, que é a destinação correta dos resíduos. É bom lembrar que o processo pode resultar em biofertilizantes, com o material restante da produção dessa fonte de energia.
O uso do biogás não está restrito a pequenos ou grandes empreendimentos. Há a possibilidade de utilização para abastecimento energético de uma cidade inteira ou de uma pequena propriedade rural. Diante das possibilidades e da preocupação ambiental, esse é um mercado em expansão. O número de plantas em operação entre 2019 e 2020 apresentou um crescimento de 22% ao ano, conforme o Panorama do Biogás no Brasil 2020.
— Se a gente for considerar a biomassa produzida no Rio Grande do Sul, poderia ter uma expressão larguíssima de produção de energia e nós não precisaríamos comprar com moeda estrangeira. O Brasil poderia ser o país mais verde do mundo se usasse toda a matéria orgânica que possui para gerar energia — destaca Suelen.
O potencial nacional de produção de biogás bruto calculado pela Associação Brasileira de Biogás (ABiogás) é de 82,58 bilhões de metros cúbicos ao ano. Comparado com o atual cenário de produção de biogás brasileiro, o dado revela a oportunidade de enorme expansão, pois apenas 1,83 bilhão de metros cúbicos ao ano são aproveitados atualmente.
— O que nós estamos vendo hoje é muito interesse tanto de empresas nacionais quanto internacionais nessa área, porque a gente está muito atrasado no Brasil. Países, como a Alemanha, usam desde os anos 1960 o biogás para a alimentar as cidades — explica a pesquisadora Flaviane Magrini, doutora em Biotecnologia.
O biogás
O que é: uma mistura de gases composta principalmente por metano e dióxido de carbono. É obtida, normalmente, com o tratamento de resíduos domésticos, agropecuários e industriais. Essa matéria orgânica passa por uma biodegradação anaeróbia, ou seja, na ausência de oxigênio.
Como pode ser usado: pode ser aplicado na geração de energia elétrica, energia térmica e na produção de biometano, um biocombustível parecido com o gás natural. Durante o processo, também há produção de biofertilizante.
Quem pode produzir: propriedades rurais, aterros sanitários e indústrias relacionadas à agropecuária. Também é possível produzir biogás com esgoto, resíduos vegetais e resíduos de alimentos.
Dejetos de animais viram energia elétrica, térmica e fertilizantes em Farroupilha
A Fazenda Trevisan, no interior de Farroupilha, é uma das pioneiras no uso energético do biogás em solo gaúcho. Dados do CIBiogás mostram que em 2012 a propriedade era uma das oito do Estado que utilizavam a alternativa para a geração de energia.
— Não tinha muito, aliás não tinha nada. De gado, somos pioneiros no Estado, com certeza — comenta Osmar Trevisan, proprietário da fazenda.
Hoje, a empresa, que elabora leite tipo A, iogurte e creme de leite, tem 870 animais. Desses, 320 estão em lactação. Todos os dejetos que saem da sala de ordenha são lavados até outra área em que ficam as vacas e onde estão instalados equipamentos, uma espécie de raspadores. O esterco, então, vai para um canal e segue para um lago, onde ocorre a homogeneização. Depois, ele é bombeado para uma peneira e, em seguida, para os biodigestores. A fase final é o encanamento para o gerador.
A energia elétrica abastece parte da fazenda, cujo rebanho produz 12 mil litros de leite por dia. A térmica é utilizada no aquecimento de água para o laticínio e na ordenha. O que sobra desse processo vira biofertilizante, que é aplicado no manejo de solo na lavoura de 120 hectares de milho.
— A gente tem a questão ambiental, que é difícil de mensurar (o benefício), e tem um benefício financeiro de cerca de R$ 20 mil mensais apenas com a parte da energia elétrica. É na faixa de 25% de redução na conta — destaca Jean Trevisan, proprietário da Fazenda.
Produtores rurais economizam com gás de cozinha e fertilizantes
No interior de Nova Roma do Sul, Jocemar Dal Molin e Jocimara Manera produzem hortaliças e uvas orgânicas desde 2005. No ano passado, a propriedade do casal na Linha Nova Treviso ganhou equipamentos para a geração de energia renovável, reforçando os cuidados ambientais. Mas não só. A instalação de um biodigestor e de placas de energia solar reduziu os gastos consideravelmente.
Com as placas, a conta de energia elétrica caiu de cerca de R$ 1 mil para R$ 100 por mês. Já o biodigestor ajudou a garantir a viabilidade financeira da propriedade, principalmente por causa da geração de biofertilizantes. Dal Molin conta que as exigências legais para esse tipo de insumo estavam gerando custos muito altos na compra deles. Por isso, começou a pensar em uma alternativa. Nesse processo, soube de uma escola da cidade que estava usando o biogás e compreendeu que poderia se beneficiar dessa opção.
Com o investimento de R$ 15 mil no biodigestor, passou a utilizar lixo de cozinha, restos de hortaliças, frutas apodrecidas que caem no chão e dejetos de animais para a produção de gás. Os restos se tornam biofertilizantes.
— Era coisa jogada de lado, que contaminava. Em vez disso, agora estou aproveitando. Estou gerando gás de cozinha. Para mim, o que eu instalei está sobrando, está indo para a natureza a sobra. E eu estou aproveitando o biofertilizante para as hortaliças — conta.
A estimativa dele é de uma redução de 70% a 80% no gasto com fertilizantes. Botijão de gás de cozinha, ele nunca mais precisou comprar e tem sobras, que são liberadas para a natureza.
Empresa de Caxias faz distribuição de biometano
Uma empresa de Caxias do Sul faz a distribuição de biometano em diversos Estados e até em outros países, como Estados Unidos, México e Colômbia. A NEOgás do Brasil, que tem a fábrica de produção de equipamentos localizada no maior município da Serra desde 2000, leva o gás para uso industrial, veicular, comercial e residencial.
— A gente pega o gás, comprime para dentro de carretas, transporta ele e descomprime para uma utilização final — resume o gerente comercial da empresa, Marcelo Nóbrega.
O gás sai principalmente de aterros sanitários e usinas de etanol. Ele é retirado no Estado onde é entregue. Então, o que sai de Caxias são os equipamentos industriais e veiculares para a operação. O produto vai, por exemplo, para indústrias, postos de carros movidos a biometano ou ainda para a rede de gás natural, que abastece prédios e outros empreendimentos.
Conforme Nóbrega, o biometano se favorece em duas frentes em relação aos demais gases. O primeiro é o apelo ambiental. O segundo está relacionado ao preço, que é mais previsível. A cotação em dólar do gás natural faz com que as oscilações sejam constantes. Enquanto isso, conforme o gerente comercial, o biometano tem o reajuste definido pelo IPCA, o que permite que as empresas façam um planejamento mais efetivo:
— O biometano hoje é um dos gases mais procurados que têm por causa da descarbonização. Então, o que aparece de biometano para você vender, de produção, ele é comercializado — pontua.
Pesquisas na UCS para melhoramentos do processo
É de inovação o ambiente do Laboratório de Diagnóstico Molecular da UCS. A equipe, formada por duas pesquisadoras, mestrandos, doutorandos e universitários do curso de Biologia, investiga formas de melhorar a produção de biometano e hidrogênio _ que também pode ser gerado a partir de matéria orgânica.
— A gente estuda diferentes inóculos (micro-organismos presentes nos lodos de esgoto, por exemplo), para a produção de ambos os gases. A gente estuda principalmente a microbiota envolvida nessa produção, porque eu conhecendo os micro-organismos que estão aqui dentro, eu consigo mudar os parâmetros de fermentação. Então, sabendo que tem um micro-organismo que gosta mais de celulose, eu consigo mudar os parâmetros, consigo aumentar minha produção e fazer o que eu quero de produto final. Isso a gente chama de estratégias de inovação biotecnológica — explica a pesquisadora Flaviane Magrini.
Os pesquisadores também fazem o diagnóstico molecular, ou seja, retiram o DNA dos micro-organismos e amplificam milhares de vezes. Depois, com o auxílio da bioinformática, identificam os consórcios de micro-organismos que estão trabalhando na degradação do material. Isso, segundo a doutora, ajuda a definir qual micro-organismo é mais favorável para qual tipo de resíduo, o que ele degrada melhor e quais são os metabólicos (produtos) que eles vão gerar, além das rotas metabólicas.
— É um melhoramento do processo, porque tu pode direcionar o teu processo para tu teres um melhor desempenho no final. Então, é bem importante a parte de conhecer quem está fazendo todo o processo, porque o que é a estrela do biogás são os micro-organismos. Não são o resíduos, e sim os micro-organismos que estão fazendo aquela decomposição e transformando aquilo em biogás.
Aliás, a geração de gás é apenas uma faceta para o uso de resíduos. A pesquisadora explica que, antes de se chegar ao biogás, é possível extrair ácidos e álcool, por exemplo:
— Ácidos orgânicos são produzidos, álcool também — como o etanol e o butanediol —, que são compostos importantes na indústria farmacêutica, na indústria química. Então, se refinados, eles também têm um bom valor de mercado.
Presença de ministro do Meio Ambiente
Depois de uma edição virtual no ano passado, o Fórum volta a ser presencial, com edição em Caxias do Sul, onde se originou em 2017. A abertura do evento será às 9h desta terça-feira. A primeira atração é uma palestra do ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, que irá abordar o Plano Nacional Metano Zero e a Estratégia Federal de Incentivo ao Uso Sustentável de Biogás e Biometano.
Até a quinta-feira, estão programados oito painéis temáticos, visitas técnicas, entrega do Prêmio Melhores do Biogás Brasil, apresentação de startups e exposição de empresas do setor no Espaço de Negócios. O Fórum abre agenda para o encontro Mulheres do Biogás, reunião de extensionistas da área rural, 2º Encontro de Produtores do Biogás e reunião da Rede de Laboratórios de Biodigestão. As inscrições ainda podem ser feitas no site www.biogasebiometano.com.br .
Como encontros preparatórios ao Fórum, serão realizados dois eventos presenciais nesta segunda-feira. Ambos são fechados para convidados. Um irá abordar os impactos do biogás e outro, a inovação no setor no país.
O fórum de biogás e biometano
O quê: 4º Fórum Sul Brasileiro de Biogás e Biometano
Quando: 12 a 14 de abril de 2022
Onde: UCS Teatro
Inscrições: www.biogasebiometano.com.br
Programação
- Painéis – No total, estão programados oito painéis com os seguintes temas: Políticas públicas federais para o desenvolvimento do biogás no Brasil; Energia elétrica com biogás; Descarbonização por meio do biogás; Avanços tecnológicos e regulatórios para produção de biometano no Brasil; Plantas de biogás no sul do Brasil; Biogás produzido a partir de resíduos agroindustriais; e Caminhos para avançar no setor de biogás.
- Prêmio Melhores do Biogás Brasil – É a primeira edição do prêmio, que será entregue aos vencedores na quarta-feira (13/4). A votação é pública e aberta até a terça-feira, em meio eletrônico (para conhecer os concorrentes e participar, basta acessar https://biogasebiometano.com.br/premio-melhores-do-biogas/).
- Espaço de Negócios – Troca de informações, reuniões, network e parcerias estarão abertas durante o Fórum, na terça e quarta-feira, no Centro de Convivência, ao lado do UCS Teatro.
- Momentos Startups – Cinco startups vão apresentar, em pitches, exemplos de soluções inovadoras em produtos, processos e serviços que desenvolvem ao setor. Será na terça e quarta-feira.
- Visitas Técnicas – Ocorrem na quinta-feira como parte da programação do Fórum. Os inscritos vão conhecer plantas que utilizam resíduos sólidos urbanos, resíduos industriais e dejetos de animais. As visitas serão feitas à Fazenda Trevisan, em Farroupilha, à unidade da cervejaria Ambev, em Viamão, ao município de Minas do Leão, onde fica a Usina de Resíduos Recreio, e à planta da Folhito Adubos Orgânicos, em Estrela.
Programação paralela
- Reunião de Extensionistas Rurais – Reunirá na terça-feira representantes das empresas de extensão rural do Sul _ Epagri, de SC, Emater-Ascar, do RS, IDR (Instituto do Desenvolvimento Rural), do PR, e representantes dos realizadores do Fórum. Extensionistas vão debater o potencial do trabalho de extensão com vistas à obtenção de incentivo ao biogás. No encontro, está prevista uma oficina de planejamento da iniciativa em criação.
- Encontro de Produtores do Biogás – Produtores vão debater sobre biogás na prática, oportunidades e desafios e caminhos para a organização do grupo e desenvolvimento do setor. Será na terça-feira, aberto a demais interessados no tema.
- Rede de Laboratórios de Biodigestão – A rede, que é liderada pela Embrapa Suínos e Aves, terá reunião na quarta.
- Reunião de Mulheres do Biogás – Mulheres do setor têm encontro marcado na quarta-feira. Essa iniciativa teve origem no âmbito do Instituto 17, organização da sociedade civil para difundir o desenvolvimento sustentável, no Programa de Energia para o Brasil, do governo britânico, e se inspirou também em outros movimentos. Para se inscrever na reunião ou obter mais informações, o endereço é [email protected].
A programação completa está nesse site.
Dados do setor
- 675 é o número de plantas de biogás no país.
- 94% delas operam para a geração de energia elétrica, térmica, mecânica e/ou biometano.
- 148 novas plantas de biogás foram criadas no país em 2020.
- 20% ao ano foi o crescimento médio do volume de biogás produzido para fins energéticos entre 2015 e 2019.
- 23% ao ano foi o crescimento médio do volume de biogás produzido para fins energéticos em 2020. Assim como a quantidade de plantas, o volume de biogás produzido para fins energéticos vem aumentando.
- 1,83 bilhão de metros cúbicos de biogás foram produzidos pelas plantas em operação no país em 2020.
- 2,2 bilhão de metros cúbicos de biogás será a produção anual do país após o início da operação das 37 plantas que estão em fase de implantação ou em reforma.
- 79% das plantas em operação no país têm a agropecuária como fonte de substrato utilizada para produção de biogás em sistemas de biodigestão.
- 11% é a contribuição da agropecuária no volume total de biogás produzido.
- 9% das plantas em operação processam resíduos sólidos urbanos ou efluentes de estações de tratamento de esgoto.
- 73% é a contribuição dessas plantas no volume total de biogás produzidos no país.
- 85% das plantas em operação geram energia elétrica, como aplicação mais representativa no cenário nacional.
- 73% do volume de biogás produzido têm destinação para geração de energia elétrica.
Fonte: Panorama do Biogás no Brasil em 2020, dados mais atuais.
Fonte: Jornal Pioneiro